February 17, 2009

 

time for a little poem on the blog - a bilingual one

Apocalypse Now

hey
you guys
over there
you humans
wait till Jesus really comes back
things will really get worse

if you humans
were smart
you would leap over
the second coming
directly into
the
apocalypse


Apocalypse Maintenant


vous les gars
là-bas
vous les humains
attendaient que Jésus revienne
les choses iront encore plus mal

si les humains
étaient pas cons
ils sauteraient par-dessus
l’éternel retour
directement
dans
l’apocalypse

carcesses in portuguese‏


a good friend -- she's portuguese -- she wrote her doctoral dissertation about my work - just did a translation of the carcasses --

RAYMOND FEDERMAN, As carcassas
(tradução: Manuela Alves de Abreu)

Ontem comprei um novo gravador de voz – e hoje gravei nele uma história – e chamei essa história –

As carcassas

Estou sentado no meu escritório – é assim que começa a história que gravei – Estou sentado no meu escritório na Califórnia – San Diego Califórnia – pertinho do sol – há quatro anos mudei-me para cá para terminar o meu trabalho e fazer contas comigo mesmo – estou sentado à secretária e olho pela janela a vista esplêndida à minha frente – incríveis o vale a montanha as árvores o céu – é digno de se ver – magnífico – hoje um bom dia para mim – sinto-me bem – começou por uma boa partida de golfe esta manhã – consegui uns 81 – sim 81 – 38 nos 9 primeiros buracos – sete green em regulation - dois birdies – nos últimos buracos um 43 – dois miseráveis bogies - dois erros estúpidos – o espírito vagueia por vezes quando passeamos pela natureza – mas umas sólidas 81 pancadas não é nada mau para um velhote como eu – depois regresso a casa para trabalhar em O meu corpo em nove partes com os seus 3 suplementos – a versão em língua inglesa – My Body in Nine Parts – hoje trabalho as minhas cicatrizes – mas num momento de reflexão levantei os olhos lá para cima para as almofadas do céu e depois para a vista esplêndida à minha frente – incrível – e pensei – quando morreres tudo isto vai apagar-se – mais nada para ver – nothing more – apenas a escuridão – será como se mergulhasses num grande buraco negro – primeiro a cabeça que cortará o ar – e nesse rodopio para o abismo tudo ficará negro – mas pensar isso e dizê-lo assim só me compromete a mim – será que isso sugere a possibilidade de um depois – de um além – de outra forma de vida após a morte – como se me tivesse enganado toda a vida – não – não vou cair na grande patetice meta-pata-física - não – nada de passe de mágica – nada de mentira sobre-humana – nada de intervenção divina – sou um ser humano – sou consciente de ser um ser humano e até bem vivo – que se lixe o além - mas para brincar imagina agora que estás morto – lá estás tu na fila no meio da longa fila das carcassas mortas que acabam de chegar na zona das carcassas – sim é assim que se chama esta história – as carcassas – aqui estão elas – todas atoladas umas por cima das outras com velhas peles vazias – e agora estás tu por cima desse monte - todas atoladas umas por cima das outras à espera da sua vez de serem transmudadas – as velhas que esperam há muito tempo – as novas que acabam de chegar curiosas e ansiosas por saber quando serão transmudadas – pois a transmutação não se faz imediatamente - as carcassas não são logo reencarnadas quando chegam na zona das carcassas – há um período de espera – um período de incubação – se posso assim dizer – portanto estás ali à espera da tua vez – não há nenhum efeito de mágica como já disse – é preciso esperar que as autoridades se decidam – sim chamemo-lhes assim – as autoridades – as únicas que podem decidir quando vai ser a tua vez de ser transmudado – não me perguntes quem são essas autoridades nem onde se encontram – na zona das carcassas não se colocam tais perguntas – na zona das carcassas fecha-se a matraca se queremos ser transmudados - portanto um dia as autoridades convocam-te – eh tu aí chega aqui – e dizem-te que vais ser reenviado – mas não forçosamente para o planeta donde vens – as carcassas chegam de todos os lugares do universo – o lugar onde as carcassas ficam empilhadas é uma zona à parte no grande vazio do universo – ninguém sabe onde se situa exactamente esta zona – mas é como um enorme armazém – um pouco como a Samaritaine1 - aí encontramos carcassas de todos os tipos – de todos os tamanhos de todas as formas – a maior parte em mau estado – estão à espera que as autoridades as chamem para serem transmudadas – não se pode discutir com as autoridades – temos que aceitar a sua decisão – e então a tua vez chegou – lá estás tu de volta num planeta em insecto – sim – em mosca – imagina-te agora a viver a tua vida em mosca – primeiro a vida da mosca é curta – uma vida efémera como se diz – mesmo assim é uma vida – qual é o teu principal objectivo nesta vida de mosca – a tua razão de ser – primeiro morfar a merda das outras espécies - zumbir – sim zumbir à volta dos olhos das vacas que não param de te mandar bofetadas valentes com a cauda – ou zumbir à volta dos humanos – à procura da merda nos vidros das janelas ou nos ecrãs das televisões – mas um dia quando aterras no braço ou no cimo do crânio dum homenzinho – zás - esmaga-te com a mão – esmaga-te – extermina-te e voltas a ser carcassa – que tipo de vida é esta – e lá estás de novo na zona das carcassas – ah já voltaste dizem-te aqueles que ainda lá estão à seca – o tempo passa – não o tempo não passa porque nesta zona das carcassas o tempo não anda – não há tempo – não há nada – mas mesmo assim agora a tua vez chega depressa - não há nenhuma razão para isso – não se questionam as autoridades – desta vez reenviam-te em flor – uma bela rosa vermelha no pequeno jardim de um desses novos ricos dos subúrbios que moram na costa californiana – estás orgulhosa porque sabes que és bela e que cheiras bem – e as senhoras que vêm visitar a senhora burguesa para jogar bridge olham para ti e dizem – oh que bela rosa – mas um dia a dona da casa pede à criada para colher uma das flores do jardim e para a colocar num vaso na sala de jantar – a criada chega então com uma tesoura e corta o teu caule – depois coloca-te num vaso com água – mas muito rapidamente a água começa a cheirar mal – torna-se insuportável – e começas a murchar e a murchar e a dona da casa diz à criada deite fora esta flor murcha – então a criada verte a água salobra na banca e deita-te ao lixo – e lá estás tu de novo entre as carcassas – que tipo de vida era essa – ficas à espera novamente – esperas muito tempo desta vez – talvez mais de dois séculos – até mais – mas como o tempo não existe na zona das carcassas não te dás conta de quanto tempo ficas à espera – mas chateias-te – estás farto – gostavas de ser transmudado mais uma vez – invejas as carcassas que são reenviadas – estás-te nas tintas para aquilo que poderias ser logo que te transmudem – e finalmente as autoridades chamam-te e dizem-te que és chamado para o meio dos leões de África – há uma penúria de leões machos no planeta Terra – a maior parte dos leões ficaram estéreis – por isso aqui estás em África – no Quénia no meio de três leoas muito sexys e de um bando de jovens leõezinhos – cada quinze minutos – isto foi escrupulosamente observado pelos caçadores de leões durante observações científicas – uma das leoas vem te titilar para uma partida de cambalhota – levantas-te do teu canto à sombra de uma grande árvore exótica – montas a leoa dás uma queca e voltas para a sombra da árvore exótica sonhar com outra vida – rica em alimentos – as leoas ficam atentas a isso – muita carne de gazela – e depois tem graça brincar com os filhotes – mas um dia chegam homens de cor diferente – os negros são meio nus e dançam – os brancos trazem chapéus coloniais esquisitos e espingardas - mas não estão aí para fazer de ti uma carcassa – querem capturar-te – apanham-te numa grande rede – metem-te num barco ou num avião e mandam-te para aquilo a que chamam a sociedade civilizada – por sorte para ti – não te instalaram no zoo de Buffalo onde terias ficado enjaulado o resto da vida deitando-te e enrolando-te na tua própria merda – sem poder montar nenhuma dessas leoas sexys – de qualquer modo agora que já não podes galgar livremente pela natureza já não fazes exercício – és incapaz de entesar o pau – mas que sorte para ti – instalaram-te no zoo de San Diego – magnífico zoo – até construíram para ti aquilo a que chamam lá um ambiente natural – claro que é aldrabice – isto é tipicamente a Califórnia – não há nada de natural neste ambiente que construíram para ti – é puro cenário de Hollywood – sabes disso – sabes que é tudo mentira – mas fazes de conta que és feliz para que os humanos fiquem contentes para não te mandarem para o zoo de Buffalo – mas chateias-te a valer neste ambiente Walt Disney – dormes a maior parte do tempo – ou fazes de conta que dormes – sobretudo quando trazem os miúdos para que os assustes - gostavam de te ver feroz – mas ficas calmo – por vezes um humano pica-te no rabo para que reajas – e tu rosnas – que tipo de vida é esta – está bem – dão-te a comer bons nacos de carne – essencialmente carne de boi - mas um dia trazem-te um pedaço de carne podre – e morres da doença da vaca louca – e eis que voltas de novo para o meio das carcassas – bom – não vou imaginar todas as possibilidades animais ou humanas ou vegetais nas quais poderias reencarnar – imagina-te voltar em rabanete – ou em alcachofra – concordo em árvore não é mau – uma grande árvore majestosa – um carvalho soberbo – desta vez estás satisfeito – as árvores duram muito tempo – mas aí todas as árvores à tua volta têm inveja de ti porque és o maior – ou porque o teu tronco é o mais grosso – mais sólido que o delas – ou porque a tua folhagem é mais verdejante – ignora-as porque ser uma árvore é sem dúvida uma bela forma de vida – mas um dia um ser humano chega com uma serra eléctrica e corta-te para fazer de ti lenha para queimar – que tipo de vida é esta – e eis que voltas de novo para o meio das carcassas – e reflectes enquanto esperas a tua vez ou a tua volta – bem sei que as carcassas mortas não costumam reflectir - mas para a comodidade desta história digamos que as carcassas são capazes de pensar – por isso pensas – por que não posso ter uma palavra a dizer – por que não posso eu próprio decidir o que hei de ser da próxima vez – por que não posso inventar o meu próprio... – ia dizer futuro – bem digamos apenas a minha própria carcassa – imagina agora que sejas um escritor numa dessas tuas transmutações – e que compões uma mensagem muito estilizada destinada às autoridades – imagina que nessa mensagem lhes dizes que talvez tenha chegado o tempo em que as carcassas têm alguma palavra a dizer a respeito das suas transmutações – e imagina que daí se segue uma balbúrdia na zona das carcassas – por todos os lados – discussões – debates – sondagens – e todo tipo de coisas do género – imagina que finalmente as autoridades concordem – as carcassas podem elas próprias decidir sob que forma voltar – é um processo muito longo e complexo mas podes eventualmente decidir por ti só o que queres ser – eu por exemplo disse muitas vezes que gostava de voltar em gladiador romano – assim poderia comandar a revolta contra um imperador romano – ou voltar em mosqueteiro – ou em french lover – ou em – em – em – merda não é fácil decidirmos de que forma gostaríamos de voltar – por isso penso que o melhor que possa fazer aqui – quero dizer nesta história – é deixar os leitores escolherem por si a forma sob a qual gostariam de voltar – e se esta história chegasse a ser publicada – digamos na Nouvelle Revue Française – aí insistia para que a última página ficasse virgem para que os leitores pudessem escrever nela o que gostariam de ser na sua próxima vida – claro um dia – quando a ciência tiver progredido – as carcassas serão talvez capazes de voltar em objectos – imagina voltar em fogão a gás ou em barbeador eléctrico – ou melhor até – em taco de golfe – oh que vida interessante seria essa – serias um driver Taylor Made titanium 360 novinho em folha com uma vareta em grafite – seria uma vida excitante – pelo menos até que o golfista te ache culpado das suas pancadas falhadas e decida comprar uma carcassa reencarnada em King Cobra 560 driver com uma vareta anti-slice – e te atire para o meio do lixo – imagina que vida pode ser essa – olha a noite caiu – a vista esplendida à minha frente desapareceu na escuridão por traz da janela – para mim está na hora de acabar esta história – carrego na tecla off do gravador – bem volto para o meu trabalho de Mon corps en neuf parties – acerca das minhas cicatrizes – e esqueçamos as carcassas –

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1 Ndt La Samaritaine é o nome de um dos grandes armazéns de Paris.

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